Yuval Noah Harari volta a combinar ciência, história e filosofia, desta vez para entender quem somos e descobrir para onde vamos.
Sempre com um olhar no passado e nas nossas origens, Harari investiga o futuro da humanidade em busca de uma resposta tão difícil quanto essencial: depois de séculos de guerras, fome e pobreza, qual será nosso destino na Terra? A partir de uma visão absolutamente original de nossa história, ele combina pesquisas de ponta e os mais recentes avanços científicos à sua conhecida capacidade de observar o passado de uma maneira inteiramente nova. Assim, descobrir os próximos passos da evolução humana será também redescobrir quem fomos e quais caminhos tomamos para chegar até aqui.
Ele (o autor) compartilha a sua opinião sobre as consequências do humanismo e da busca da divindade. Também sugere uma visão de um mundo em que os humanos criam a AI (inteligência artificial), a qual passa a dominar a sociedade. Neste futuro, as máquinas tratam as pessoas como escravas ou animais – ou algoritmos – e a IA os exterminará.
Harari oferece poucas páginas descrevendo como a humanidade pode evitar este futuro. O “homo sapiens” realmente não tem livre arbítrio, acredita o autor, e a consciência é principalmente uma miragem. As pessoas operam mais como computadores e sua programação contém as sementes da sua destruição. As ideias originais de Harari são instigantes, mas a maioria dos leitores não aceita sua caracterização da consciência como inútil e dos serem humanos como autômatos programados ou indignos de liberdade. Da mesma forma, muitos devem questionar a sugestão de Harari sobre a chegada de uma inteligência superior criada pelos próprios humanos.
O livro se inicia com a consideração de que os três principais flagelos da humanidade – a peste, a fome e as guerras -, estão praticamente superados e que o atual estágio científico inscreve ou potencializa nova agenda humana centrada na superação da morte biológica e na elevação do humano à uma condição supra-humana, similar àquela dos deuses da antiguidade grega. A engenharia genética estaria permitindo que, na sua busca de felicidade e poder, os humanos possam mudar primeiro uma de suas características, depois outra, até virtualmente não serem mais humanos.
Em relação a superação da condição humana, como arco geral da obra, Yuval assume perspectiva evolucionista darwiniana e realiza criativa retrospectiva mostrando de que modo o homo sapiens se impôs como forma superior de vida no planeta. Nessa análise, contempla a fase coletora, a fase agrícola, a fase industrial e a fase moderna de informação intensiva, e procura identificar os elementos estruturais, de ordem cultural, que lhes forneceu alicerces. Destaca em particular as crenças gerais, compartilhadas em cada fase – que designa de mitos ficcionais -, aos quais atribui a indispensável coesão social, bem como a viabilidade dos empreendimentos de cada período.
Embora lhes reconheça, importante e inescapável papel social, destaca o caráter fantasioso de tais concepções gerais, e o seu descompromisso com a realidade, o que o leva a um processo de desconstrução dos pilares conceituais das diferentes concepções que cataloga ao longo do tempo, tais como as diferentes religiões, as diferentes ideologias políticas e o próprio humanismo, que considera também tratar-se de mito passível de superação. Para tanto, vale-se de conclusões e resultados que a ciência moderna fornece. Assim, recusa a existência da alma, da consciência e também da individualidade, tendo em vista que os testes científicos que tentaram a sua detecção, não tiveram êxito, e que a mais notável conquista da ciência contemporânea, lhes dispensa a existência.
Essa conquista – que considera o mais importante feito da ciência moderna, e caracteriza o atual estado da arte -, estabelece que todos os processos que compõem o universo podem ser reduzidos a algoritmos logico-matemáticos cientificamente formalizáveis. Essa conclusão, amparada tanto pela Biologia como pela Ciência da Computação, explicaria o funcionamento eletroquímico dos sistemas biológicos da mesma forma que explica o funcionamento dos sistemas eletro-físicos das máquinas. Com isso, o sucesso da ciência pode ser reduzido à descoberta dos algoritmos que respondem pelo funcionamento das coisas e o próprio pensamento pode ser explicado como produto de algoritmos. Apesar disso, Yuval reconhece que: “para ser franco, a ciência sabe surpreendentemente pouco sobre mentes e consciência”, concluindo: “A ortodoxia atual sustenta que a consciência é criada por reações eletroquímicas no cérebro e que as experiências mentais realizam alguma função essencial de processamento de dados. No entanto, ninguém tem a menor ideia de como um amontoado de reações bioquímicas e correntes elétricas no cérebro criam a experiência subjetiva…” (página 115)
No plano social, destaca os belos ideais do humanismo e em particular a democracia. Lhe contrapõe o potencial de enfraquecer a espécie humana e causar a sua degradação, pelo cultivo de uma igualdade humana fantasiosa, e o fracasso na efetivação real desses ideais pelos governos, como testemunham os protestos sociais que varreram o mundo em 2011. Coleta os diferentes fracassos do humanismo em extensas regiões do globo, questiona a capacidade do humano conduzir e dar significado ao mundo, e verifica que ao contrário disso, a inteligência artificial avança vertiginosamente e ameaça o humanismo, com uma inteligência organizativa e ordenadora, exponencialmente superior.
Tendo em vista que justificou a supremacia humana no reino animal, pela formação e uso de extensas redes de cooperação humana e não por habilidades individuais, preconiza o advento da nova religião dos dados, e a formação de extensas e poderosas redes de processamento de dados, cujos algoritmos serão capazes de conhecer cada homem melhor que ele mesmo e controlar até mesmo os seus desejos mais íntimos. Nesse quadro, estima que a grande maioria da população estará disposta a entregar-se docilmente ao controle das máquinas, em troca de prazer e bem-estar.
Com isso antevê dois cenários possíveis: Ou as máquinas dominarão tudo e virtualmente descartarão os humanos, como se descarta processadores obsoletos, ou então, restará um contingente de super-humanos, geneticamente incrementados, desfrutando as máquinas sem cair sob seu domínio. De todas formas, reconhece dispensáveis amplos contingentes humanos.
Culture tends to argue that it forbids only that which is unnatural. But from a biological perspective, nothing is unnatural. Whatever is possible is by definition also natural. A truly unnatural behaviour, one that goes against the laws of nature, simply cannot exist, so it would need no prohibition
Possibilidade ou profecia?
Em alguns momentos o autor parece ser prescritivo, mas no final (página 397), supera o entusiasmo justificativo afirmando que o livro deve ser lido mais como possibilidade do que como profecia, e ao fazê-lo, redime-se de virtuais carências e configura a obra como inteligente e útil análise das alternativas que a ciência atual vislumbra e potencializa como futuro para a humanidade e, nesse sentido, se reveste da importância para compreensão da condição humana neste início do século XXI.
Esse caráter especulativo e não profético se confirma nas três questões com as quais encerra sua tese e desafia os leitores:
Será que os organismos são apenas algoritmos e a vida apenas processamento de dados?
O que é mais valioso – a inteligência ou a consciência?
O que vai acontecer à sociedade, aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes, mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós mesmos?
Dessas três perguntas, apenas a última permanece aberta, sem contar, por enquanto, com resposta convincente. As demais resultam de limitações próprias do paradigma científico que preside o discurso e que Yuval respeita rigorosamente, e que se restringe às propriedades e funcionalidades da matéria no espaço e no tempo. O próprio autor – sem querer -, exemplifica bem os limites do paradigma científico atual, ao especular que, no caso do domínio completo das máquinas, a rede de processamento resultante, virtualmente estendida à toda a galáxia, acabaria sozinha, calculando eternamente o valor exato de phi, – questão inicial oferecida ao supercomputador “pelo criador”, quando do seu acionamento -, na mais plena reprodução da mediocridade de homens capazes de entregar-se docilmente ao cuidado de uma máquina.
Em geral é uma leitura complexa e que nos coloca para pensar em tudo que já aconteceu e o que pode acontecer nas próximas décadas.
Eu gosto muito do Harari e da sua forma de refletir sobre temas que às vezes nos esquecemos, mas que são crucias para a nossa sobrevivência.
Sobre o autor: Yuval Noah Harari é um professor israelense de História e autor do best-seller internacional Sapiens: Uma breve história da humanidade e também de Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã. Seu último lançamento é 21 Lições para o Século 21. Leciona no departamento de História da Universidade Hebraica de Jerusalém.
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